Rir é
o melhor remédio
Mesmo em época de tragédias, a capacidade do ser humano para criar anedotas é inesgotável. Porque a vida só faz sentido se (também) for levada a rir. Sobretudo no meio de tanto “cinzentismo”
Texto de Sofia Canelas de Castro
Fotos de Bruno Raposo
Stand Up Comedy – já ouviu falar? Traduzido à letra, quer dizer comédia de pé. De pé, alto e a bom som, humoristas portugueses tentam dar o seu melhor com um objectivo comum: soltar a gargalhada dentro de nós, do público, claro está. A tarefa não é fácil, como se depreende. Os portugueses não são sisudos mas, por natureza, também não se pode dizer que sejam os mais divertidos dos povos. Conheça o percurso de três (distintos e) nobres exemplos do humor português e fique a saber que a Stand Up Comedy, em Portugal, apesar de praticamente inexistente, começa já a dar os primeiros passos, com a sua expressão máxima no único stand up comediant nacional – Pedro Tochas.
Púcaro’s de piada
22 horas, quinta-feira. As pessoas fazem fila à porta do Púcaro’s, na zona da Alfândega, no Porto. O que os leva ali é a vontade comum de soltar o stress de mais um dia cinzento, cheio de responsabilidades. Lá dentro, o motivo chama-se Rui Xará, tem 30 anos e uma capacidade inesgotável para levar a sua audiência às lágrimas… de riso. E nem sequer parece ter a noção de que o seu talento é mais um dom. Cómico ou humorista? «Sou um gajo normal que conta umas piadas», explica. E não é falsa modéstia. Rui é mesmo assim, um «gajo» que, depois da boémia vida académica, descobriu o óbvio: que tinha jeito para anedotas e que adorava servir copos à noite. No fim do liceu foi logo tratando de avisar a mãe. «Sempre fui o melhor aluno da turma. E quando entrei para a faculdade [Química] disse logo que o curso era para se ir fazendo», recorda. E foi fazendo… o que pôde. Porque ao fim de várias matrículas, o veterano da faculdade tornou-se num caloiro do humor. E, desde há três anos, mesmo sem querer, tem vindo a “profissionalizar-se” na arte de fazer rir. Conta anedotas de uma forma hilariante, recria-as, adapta-as, dá-lhes um cunho que parece único, mesmo que repita a mesma piada da semana anterior e, depois de um intervalo, volta à carga com as suas paródias às músicas dos Gun’s & Roses, dos Pink Floyd ou Rádio Macau. «Tinha planeado ter uma vida em que, aos 50 anos, não tivesse que trabalhar. E levo 20 anos de avanço…», ironiza Rui Xará.
Todas as quintas-feiras, num espaço com capacidade para 60 pessoas sentadas, passam cerca de duas ou três centenas de pessoas. Só para o verem. E ouvirem. Só para se rirem. Muito. Com um rapaz jovem, sem vedetismos, com uma capacidade enorme para fazer rir. Ou, como diria Almada Negreiros num pensamento afixado na parede do Púcaro’s: «ser o próprio é uma arte onde todos existem, mas onde raros assinalam uma obra prima».
Quinzinho… o de Portugal
Já emprestou a sua veia humorística à Brigada Vítor Jara. Já teve um bar, o Vicente Borga Bar, onde tocava, cantava e divertia. Já percorreu Portugal para levar os seus espectáculos às mais recônditas zonas do país. Já lançou quatro discos que chegaram a platina. Já perdeu a conta aos espectáculos em bares, hotéis, empresas e palcos portugueses. Já levou o seu humor às comunidades portuguesas de França, Estados Unidos, Luxemburgo, Suíça ou Austrália. E, actualmente, entre andanças pelo país fora, podemos encontrá-lo às segundas- -feiras no Berro, um bar de Santos, em Lisboa. Aos 53 anos, «é como se tivesse uma missão», explica o artista de variedades e humorista. «A minha missão é entreter, divertir, fazer sair uma gargalhada e dar felicidade às pessoas».
Quinzinho tem mais de duas décadas de risota na bagagem. Nota-se a experiência, o à-vontade, o poder de improvisação que lhe sai quase sem esforço. E que não se pense que é sempre fácil. A vida de um humorista não é o riso ou o bom humor em permanência. Mas, como diria o humorista, «cada um é para o que nasce.»
Stand up… que se vai fazer comédia
«Senhoras e senhores, convosco Pedro Tochas!» A entrada do espectáculo Versão 1.1 é, só por si, um bom prenúncio do que se segue. Durante pouco mais de uma hora, Pedro Tochas, 29 anos, stand up comediant, actor, malabarista, artista e criador interpreta, no Teatro Bar da Trindade, em Lisboa, (até 1 de Dezembro) um texto que ele próprio escreveu. E reinventa-o e reinventa-se a cada improviso, mostrando toda a sua capacidade para esta arte, nobre e (praticamente) desconhecida neste país sem tradições de stand up comedy. Por isso é único. Não só porque não há mais quem ouse fazer este tipo de humor, mas também pela qualidade de todo o seu espectáculo. É rir a bom rir, do princípio ao fim.
«O meu humor é para a cultura portuguesa e baseado nas nossas vivências. Enquanto houver pessoas com vontade de rir vou ter sempre mercado», explica Pedro Tochas. Mas o seu humor é diferente. Para melhor. De inspiração muito “british“, Pedro Tochas vai buscar às origens da stand up comedy – Inglaterra e Estados Unidos – o melhor da piada refinada. «Algumas [piadas] não são as mais fáceis do mundo», confirma o comediante. Mas são acessíveis q.b., sobretudo para quem privilegia o humor mais inteligente, mais construído. As referências vai buscá-las à já longa carreira e à sua formação, também em Inglaterra.
Há muito que Pedro é o Palhaço Tochas, aquele que faz espectáculos de rua, e todo o seu currículo não deixa margem para dúvidas (www.pedrotochas.com). Malabarismo, teatro físico, mímica, Pitagórica de Coimbra, Programa da Maria [Rueff], espectáculos de rua, workshops e participações em vários festivais de humor, são apenas algumas das inúmeras manifestações de humor às quais emprestou a sua inesgotável qualidade. E que não se pense que é fácil fazer stand up comedy em Portugal. Não só pelo esforço criativo da escrita, mas por todo o trabalho de improvisação e dedicação física do comediante.
E, se faz favor, stand up! Porque é assim que se deve aplaudir um artista deste gabarito. De pé!
Humor português
«Num país onde nada se passa, resta o sexo… Com a religião não se deve [fazer humor], porque as pessoas ficam muito chocadas. O povo português é mais atrasado. Estamos a 40 ou 50 anos do nível de ordenados da Europa. E isso passa-se também ao nível do humor.» São estas as palavras do “mestre” Herman José. Mas os restantes entrevistados são unânimes: o humor mais fácil, no nosso país, é sobre sexo. E directo, muito directo, para uma compreensão imediata.
Quanto à verdadeira qualidade, os britânicos vêm no topo da lista das preferências. «É um humor mais inteligente», continua Herman. Já o nosso, «é mais básico, mais simples, é mais difícil por estar servido de uma língua completamente careta, antiga, fechada, sem alegria».
Mas há quem lhe dê a volta. Pedro Tochas não quer saber de barreiras, nem da língua, nem de preconceitos. «De facto, o humor com o sexo [e também a dicotomia homem-mulher] é mais fácil. Mas há muitas formas de fazer piadas de sexo e as pessoas riem-se com a minha… Para a geração dos 20, o sexo é mais divertido e visto sem preconceitos. Tanto a falar dele… como a fazê-lo», conclui o comediante.
Herman José dixit
Stand up Comedy? Em Portugal? «Não existe. Porque é uma cultura dos países anglo-saxónicos e não tem nada a ver connosco. A comédia portuguesa é física, é feita a dois ou a quatro no teatro de revista. Não há tradição oral de comédia. O que há é uma quantidade de gente a imitar o que vê lá fora: Jay Lenos pequeninos, Seinfelds pequeninos…» É assim que Herman José comenta o contexto humorístico nacional.
«Contar anedotas não é stand up comedy. A lógica do stand up comedy parte de um contexto completamente original que nós não temos. Primeiro, porque não temos a capacidade de o escrever. Eu tento fazer isso nos editoriais do Herman SIC. Há semanas muito boas, quando há temas. Mas há outras em que andamos aflitos porque não aconteceu nada…», continua o humorista. Então, que barreiras há entre o humor e a stand up comedy? «Isso é o mesmo que perguntar a diferença entre a culinária e o bife de lombo. O bife de lombo é uma especialidade da culinária! Stand up comedy é uma pessoa que se levanta – daí o “stand up” – no meio de um bar, e faz o que é aparentemente um improviso. É quase uma desgarrada falada. E é uma tradição cultural muito anglo-saxónica.» Por isso, talvez, Herman seja fã de nomes sonantes como Benny Hill ou os Monty Pyton e conheça bem os percursos dos melhores exemplos originais da stand up comedy como Jerry Seinfeld, Andy Kaufman ou Jay Leno, apesar de eles serem «uma inspiração relativa [para mim] porque têm uma arma poderosa que é a língua inglesa. A stand up comedy nasce em Inglaterra e na América porque a língua tem a facilidade de ter palavras que querem dizer 10 coisas diferentes. Nós não temos isso na nossa tradição. Por isso jamais poderemos ter a desenvoltura de discurso desses países…até na política», explica, consciente, Herman.
Quanto aos jovens humoristas emergentes, Herman aplaude as suas iniciativas. Há espaço para todos, «na arte ninguém abafa ninguém», é preciso uma grande capacidade de trabalho mas… venham eles! «Os futuros comediantes de grande impacto já existem, devem ter agora 20 anos, e hão de surgir rapidamente. Espero assistir a isso e trabalhar com alguns».
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