17/11/2001


PESSOAS
  Comediante
Rir a Tochas
Fazer humor com um microfone e muitas histórias é o desafio a que um jovem actor se lançou. Sem rede

Texto de Bernardo Mendonça
Foto de Luís Carvalho

«Senhores e senhores… Pedro Tochas»! De microfone na mão, frente ao público do bar do Teatro da Trindade, o artista de cabelos em pé apresenta-se e vai-se embora. Mas não por muito tempo. De volta à bola de luz, experimenta novas entradas, em vários estilos e poses. A plateia solta a primeira gargalhada da noite, aplaude e o espectáculo começa. Ao bom estilo americano do comediante Jerry Seinfeld, Tochas arrisca a solo, até ao final do mês, a sua versão «1.1» do «Stand Up Comedy». Um género de espectáculo sem tradição em Portugal, em que o actor, despido de qualquer personagem, sobe ao palco com a intenção específica de fazer rir o público.

Quem o vê a falar sobre sexo, carreira ou técnicas de engate para uma audiência de noctívagos não imagina o seu passado como tímido estudante de engenharia química, em Coimbra. Ainda por cima com fama de marrão. «Eu não fumava, não bebia e por isso era um elemento estranho para os grupos». Mas em pouco tempo a sua vida sofreu mudanças acrobáticas. Depois de um improviso numa festa de Natal, em 1990, a fazer malabarismo para os amigos, descobriu um novo talento e uma vontade imediata: ser artista de rua.

Logo em seguida decidiu-se a integrar a «Orxestra Pitagórica» de Coimbra, uma tuna com a tradição de interpretar as suas músicas em «instrumentos» como autoclismos, sanitas e sinais de trânsito.

Mais tarde criou uma nova identidade: Tochas – o palhaço escultor. Ao vestir a pele desta personagem de nariz vermelho, parente afastado das figuras do cinema mudo, desenvolveu uma linguagem física própria, aperfeiçoando a expressão corporal e recorrendo a balões coloridos. No que toca às reacções dos transeuntes, o artista colecciona boas recordações. «Na rua acontece-me de tudo e eu tenho que estar preparado para isso. Uma vez passei por um sem-abrigo que me deu 2$50. Nunca mais me esqueci do ordenado que ganhei nesse dia, foram 812$50».

Com tanta exposição pública na cidade dos estudantes, acabou por chamar a atenção do grupo profissional «O Teatrão», onde teve a oportunidade de desenvolver as suas capacidades como actor.

Logo que achou oportuno, decidiu viajar. Com 600 contos na carteira (tudo quanto tinha economizado até então) e o espírito ávido de novidades artísticas, investiu em dois «worshops» numa das melhores escolas de malabarismo e comédia física dos Estados Unidos, o teatro Celebration Barn, em Maine. «Éramos cinco alunos a ensaiar num celeiro com dois professores. Foram momentos de grande liberdade criativa». No regresso trouxe na bagagem novas ferramentas de trabalho e ideias para aplicar nos seus espectáculos de rua.

Mais tarde volta à carga, mas agora com um empréstimo bancário, para aprofundar os estudos em Bristol, Inglaterra, no Circomedia – Academy of Circus Arts and Phisical Theater, na área do teatro físico. A estada correu bem e deu-lhe direito a um convite para especialização.

Desta vez, para evitar a bancarrota recorre a uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian para jovens artistas. A resposta foi positiva e vê criada a possibilidade de apresentar o seu primeiro espectáculo teatral em Inglaterra, na cidade de Bath, com «How to be».

Em 2000 decide estrear o seu primeiro espectáculo de «Stand Up Comedy» em Portugal, ao melhor estilo dos clubes de comédia anglo-saxónicos, valendo-se da experiência adquirida no estrangeiro. O público gostou e pouco depois Tochas foi convidado para integrar «O programa da Maria», série cómica protagonizada por Maria Rueff para a SIC.

Um ano depois do espectáculo de bar, o actor regressa com a sua mais recente versão «1.1», «sem bugs», com uma atitude mais interactiva e irreverente. Na noite em que o EXPRESSO esteve presente no bar do Trindade, bastou um pobre infeliz derramar um copo de água nas calças durante a apresentação, para Tochas se mostrar ao seu melhor nível. Mas neste espectáculo o humor não é só feito com a matéria alheia, pois, como qualquer bom comediante, este artista também sabe rir de si. «A minha carreira está a melhorar. Até já vou aos ‘castings’ para a televisão. Antigamente era ignorado, agora sou rejeitado», diz em tom sarcástico.

Como grandes referências neste estilo de humor, cita nomes como Jay Leno, Billy Crystal ou Whoopy Goldberg. «O Jim Carrey esteve nove anos no circuito de clubes de comédia em Nova Iorque, Comedy Store, até se tornar famoso. Normalmente os grandes comediantes têm por trás esse grande percurso».

Questionado sobre a fórmula da sua boa disposição, responde «Eu durmo. Gosto de dormir. E isso ajuda-me a olhar a vida com humor».

Afinal dormir é o melhor remédio.